O designer Jason Wu, à esquerda, no ensaio de desfile em Nova York (Jeenah Moon/The New York Times)
Daniel Salles
Publicado em 7 de outubro de 2020 às 09h54.
Última atualização em 7 de outubro de 2020 às 09h56.
Setembro é geralmente um mês movimentado para a indústria do luxo. Pouco depois que as revistas de moda publicam sua importante edição de setembro, milhares de compradores de lojas, jornalistas e clientes embarcam em um tour por Nova York, Londres, Milão e Paris.
Indo de cidade em cidade para assistir às semanas da moda, essas pessoas decidem as tendências que impulsionarão um mercado global de artigos de luxo no valor de centenas de bilhões – em 2019, 281 bilhões de euros, ou US$ 334 bilhões.
Não este ano. O chão da indústria está desaparecendo sob o peso de uma pandemia que causou grande queda nas vendas, abalou as cadeias globais de suprimentos e levou nomes americanos como Brooks Brothers e Lord & Taylor à falência.
Essas mudanças provocaram grandes questões sobre o modelo de negócios da moda de luxo. As semanas da moda devem ser encerradas ou retomadas? Os ciclos de novos itens a cada seis meses seriam ainda a melhor abordagem, num momento em que a superprodução de roupas está sob escrutínio, os estilos de vida restritos se tornaram comuns e os desfiles podem parecer fora de sintonia em um mundo com prioridades diferentes?
O segundo trimestre de 2020 foi o pior da indústria da moda de luxo. De acordo com estimativas do Boston Consulting Group, as vendas globais do setor devem se contrair de 25 por cento a 45 por cento este ano, sendo improvável que o crescimento da indústria volte aos níveis pré-pandêmicos até pelo menos 2023 ou 2024. Num momento em que várias empresas lutam pela sobrevivência, muitos designers sentem que não podem se dar ao luxo de perder a oportunidade de mostrar novos produtos.
Assim, quando a última temporada da semana da moda começou em Nova York, desfiles de sucesso e grandes multidões foram substituídos por algumas apresentações em pequena escala ou somente on-line. Na Itália e na França, algumas marcas divulgaram que planejam sediar eventos físicos maiores, embora tenham apenas um punhado de convidados internacionais, uma série de ausências de designers famosos e taxas crescentes de infecção na Europa.
"Mostrar não é essencial. No entanto, às vezes é preciso exibir o que você está realmente criando", disse Antoine Arnault, chefe de comunicações da LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, ao "The New York Times" em nove de setembro. "Há toda uma economia em torno desses desfiles. Isso não deveria ser subestimado", acrescentou, aludindo aos milhares de maquiadores, costureiras, motoristas, seguranças e fotógrafos autônomos que dependem das semanas da moda para garantir uma parte considerável de seus rendimentos.
Grandes grupos como a LVMH, dona de marcas como Dior, Louis Vuitton e Fendi, e seu conglomerado rival Kering, que opera Gucci, Saint Laurent e Balenciaga, estão mais protegidos dos ventos contrários da pandemia do que a maioria das pequenas empresas autônomas. (A LVMH, porém, entrou em uma batalha judicial na tentativa de se livrar de um compromisso de US$ 16 bilhões para comprar a joalheira Tiffany & Co.)
Em seu último relatório trimestral de resultados, a LVMH declarou ter visto um forte aumento nas vendas no verão de países asiáticos como a China continental, o Japão e a Coreia do Sul, onde as taxas recentes do vírus permaneceram baixas. Mas as vendas de sua unidade de moda e artigos de couro caíram 37 por cento com a parada do turismo internacional, e a perda nas lojas globais demorou a se recuperar. O impacto tem sido ainda pior para marcas que tentavam se transformar, como Salvatore Ferragamo e Burberry, para lojas de departamento endividadas, como a Neiman Marcus, e para as marcas independentes sem muito dinheiro, mas com grande exposição nesse tipo de varejistas (muitos dos quais tentam cancelar e devolver pedidos). A maioria das empresas está agora às voltas com um grande estoque não vendido das coleções de primavera e verão deste ano.
"O setor de luxo atualmente tem mais do que o dobro do normal em estoque nesta época do ano, e agora grande parte disso provavelmente não será vendido a preço cheio", observou Stefano Todescan, diretor administrativo do Boston Consulting Group. Muitas marcas estão usando lojas físicas de desconto ou mercados on-line, como a startup holandesa Otrium, para tentar vender as roupas de grife que se acumulam nos estoques.
Todescan afirmou que as marcas que se saíram melhor este ano foram em geral aquelas que usaram dados para obter uma compreensão granular de seus estoques. Isso permitiu que transferissem a oferta do Ocidente para regiões de melhor desempenho, como os mercados asiáticos, onde multidões que viviam uma demanda reprimida por bens de luxo inspiraram a frase "compras de vingança".
"A pandemia polarizou ainda mais os vencedores e os perdedores do luxo e acelerou as tendências que já estavam em andamento antes do início da crise. Marcas como Hermès e Chanel – que nunca fazem liquidações, não se baseiam muito em tendências e contam com linhas de produtos que são vendidos durante várias temporadas – se saíram bem e estão em ótima forma", acrescentou Todescan.
A China, que já era o mercado de luxo que mais crescia antes da pandemia, vai se tornar ainda mais vital para o sucesso das marcas, uma vez que os mercados norte-americano e europeu permanecem imprevisíveis. E, em todos os lugares, o varejo off-line foi forçado a se tornar on-line – e com celeridade –, já que os consumidores se voltaram rapidamente para as compras digitais.
A Amazon, cujos clientes encomendaram mais de um bilhão de itens de moda por meio de seu aplicativo móvel nos últimos 12 meses, há muito tempo procura uma maneira de se tornar parceira de nomes de luxo, que no passado tinham rejeitado a ideia. A empresa lançou recentemente suas lojas de luxo apenas para dispositivos móveis com uma única marca – Oscar de la Renta –, prometendo que mais seriam anunciadas nas próximas semanas.
O Farfetch, mercado digital que permite que os vendedores diferenciados ofereçam suas mercadorias on-line, informou no mês passado que havia visto um aumento de 60 por cento no tráfego no segundo trimestre em comparação com o mesmo período do ano passado – e 500 mil novos clientes. "O e-commerce representou apenas 12 por cento das vendas de luxo em 2019. Desde então, obviamente, houve uma mudança completa de paradigma. O luxo costumava ser fortemente associado a uma experiência na loja. Mas agora, para muitos consumidores em 2020, a conveniência e a segurança são mais importantes, o que está levando muitas marcas a acelerar suas estratégias digitais. Para aqueles que não são capazes de fazer isso, vai ser difícil", disse José Neves, executivo-chefe da Farfetch.
À medida que a indústria começa a oferecer novos looks, o TikTok está hospedando seu mês da moda on-line para um público de cerca de 800 milhões de usuários, com desfiles de Saint Laurent e JW Anderson. Espere ver coleções menores com peças mais atemporais, que podem ter sua vida de prateleira estendida caso seja necessário. A demanda por roupas noturnas e ternos despencou, agora que ninguém tem motivos para se vestir, embora muitas marcas afirmem esperar que as pessoas comecem a comprar itens caros, apesar de uma grave recessão e de muitas demissões.
Sem um cronograma fixo para uma vacina contra a Covid-19, será difícil prever o que os clientes vão querer daqui a seis meses. Mas, para a moda de luxo, os desfiles devem continuar.