(Stephen Zeigler/Getty Images)
Bússola
Publicado em 21 de junho de 2022 às 10h56.
Por Orlando Miranda Ferreira*
A poucos dias de completar 87 anos, com boa saúde física e mental e me recusando a ser excluído do convívio social pelo critério simples de idade, leio na Bússola que um holandês de 69 anos, sob a alegação de se sentir jovem e cheio de amor para dar, acionou a Justiça, sem sucesso, pleiteando ser reconhecido com 20 anos a menos.
Alegou que, em uma época em que é possível mudar de gênero e de nome, nada mais justo que poder diminuir sua idade. Acrescenta sentir-se limitado, discriminado e prejudicado profissionalmente ao completar 69 anos, já que poderia produzir bem mais se tivesse 49.
A ideia pode parecer absurda, um sonho de verão, um delírio sem qualquer amparo no campo do direito, mas nos remete a uma questão muito séria: o etarismo ou discriminação pela idade, antes empurrado para debaixo do tapete, mas que hoje aflora e transita pela sociedade de forma avassaladora, ofendendo e prejudicando os idosos. No Brasil, esse fenômeno maldoso é conhecido como "velhofobia".
A discriminação em razão da faixa etária mais avançada atinge quase todo o mundo, em especial o Ocidente. Do outro lado do mundo, o tratamento dispensado aos idosos tem outro entendimento. Em especial no Japão, os velhinhos são reverenciados como fonte de experiência e saber. Mas aqui o papo é outro.
A longevidade, uma das maiores conquistas sociais dos últimos cem anos, deveria ser comemorada. No entanto, a população com mais de 60 anos, que representa hoje 17,9% dos brasileiros, passou a ser vista como um problema, com reflexos diretos nas famílias. E isso se acentuou durante a pandemia, quando cresceram os índices de depressão entre os mais velhos, diante do sentimento de inutilidade e falta de propósito agravado pelo isolamento social.
Então pergunto: o que fazer com o número crescente de pessoas com idade avançada que não produzem mais de acordo com o esperado pelos padrões impostos pela sociedade? Não tenho essas respostas, que certamente envolvem políticas públicas mais complexas. Só posso dizer com certeza que qualquer resposta deve incluir a palavra respeito.
Nem todos vão envelhecer da mesma forma ou terão a oportunidade ou a sorte de continuar ativos. Mas todos nós vamos envelhecer de alguma forma – e, se você não se ligar agora, vai sofrer com velhofobia também.
E os que se mantêm socialmente participativos e dotados de sensibilidade merecem, no mínimo, um espaço para expressar suas ideias, mesmo aquelas que as novas gerações podem chamar de bobagem ou ranhetice, sem sequer perceber que isso fere nossas suscetibilidades e machuca.
É claro que os jovens, donos do próprio nariz, não devem deixar de lado seus próprios interesses profissionais, econômicos e sociais para alimentar nossos devaneios. E cuidaremos de, após o suposto vencimento do selo de sanidade, exercitar o bom senso para evitar qualquer inconveniente intervenção em reunião social abordando assunto que possa gerar desconforto a outro participante do grupo.
Mas isso significa que devemos assumir uma atitude de submissão e alheamento nas esferas familiar e social, enclausurados à espera do fim da vida, curvando-nos aos velhofóbicos? A resposta é um sonoro não.
Devemos conviver de forma inteligente com a nossa decretada inutilidade, mas com o firme propósito de não admitir que sejam feridas nossa dignidade e o sabor de viver e conviver com alegria. Existe o potencial de sermos nós mesmos em todas as fases da vida.
Este jovem de 87 anos se mantém ocupado, em plena maturidade, cuidando e distribuindo amor para família, filhos e netos, encontrando-se com os amigos, escrevendo livros e trabalhando (mesmo que não com toda a formalidade que a sociedade espera). Alguém acredita que isso não é ser útil e produtivo?
*Orlando Miranda Ferreira foi diretor do Detran-SP e delegado de polícia em São Paulo por mais de 36 anos e está aposentado há 17 anos
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