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Mais Médicos: é importante continuar com o programa?

Relatório que será apresentado no Senado defende melhora no atendimento de atenção básica, mas alerta para falta de sustentabilidade financeira

Mais Médicos: Cubanos passaram três anos trabalhando no Brasil (Ueslei Marcelino/Reuters)

Mais Médicos: Cubanos passaram três anos trabalhando no Brasil (Ueslei Marcelino/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 9 de fevereiro de 2018 às 19h06.

Última atualização em 14 de fevereiro de 2018 às 10h53.

Ainda no mês de fevereiro, o Senado deve colocar na balança os resultados do programa Mais Médicos. Formulado pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA), o relatório final de avaliação do programa será analisado pela Comissão de Assuntos Sociais. O diagnóstico de mais de 100 páginas contou com auditorias de órgãos de fiscalização e controle, dados de pesquisas acadêmicas e estatísticas, e avalia-se que, entre 2013 e 2017, o programa tenha custado mais de 13 bilhões de reais aos cofres públicos.

Criado em 2013 como uma medida provisória, e convertido em lei pelo Congresso em outubro do mesmo ano, o Mais Médicos surgiu com o objetivo de levar atendimento de saúde para municípios mais vulneráveis e desassistidos e formar novos médicos centrados na Atenção Básica.

Segundo dados do Ministério da Saúde, no início do programa, a relação era de 1,8 médico para cada mil habitantes. Em 2015, este número subiu para 2,1, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), e os médicos realocados passaram a representar 48% dos profissionais em equipes de Atenção Básica.

A desigualdade de atendimento ao levar em conta as capitais e o interior, os centros e as periferias, foi o que motivou o surgimento do programa. “Muitos estudantes optam por trabalhar nas regiões metropolitanas, e depois em clínicas particulares”, explica a médica e professora Carmen Teixeira, especialista em planejamento na Saúde da Universidade Federal da Bahia, com foco no modelo de atenção à saúde no Brasil e em experiências inovadoras de formação de pessoal em saúde.

Desde a década de 1990 os governos federais têm tentado reverter esta lógica, com a implementação de programas como o Programa de Interiorização do SUS, de 1993, o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica – PROVAB, de 2011, e mais recentemente o próprio programa Mais Médicos.

Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos, o fato de o programa escancarar a lógica de saúde do país foi o principal motivo para o surgimento de tantas polêmicas. “A saúde hoje é sustentada na doença, na prática de tratamentos e de atendimentos hospitalares, e não na prevenção. O programa modifica essa lógica, e por isso levantou tantas críticas”, explica.

Segundo o relatório, o número de número de internações por diarreia e gastroenterite infecciosas – doenças que estão diretamente ligadas à falta de atendimento primário – diminuiu cerca de 35% entre 2012 e 2015, com três anos de programa em vigor.

Além disso, uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais em 2015, encomendada pelo Ministério da Saúde, ouviu 14.000 pessoas em 700 municípios, e mostrou que 94% dos pacientes se mostraram satisfeitos ou muito satisfeitos com o programa. com o atendimento dos médicos do Programa: 83% dos entrevistados avaliaram que houve melhora na qualidade do atendimento, e 54% deram nota 10 ao programa. Comunicação com médicos estrangeiros também não é problema: 84% dos entrevistados afirmou não ter tido qualquer problema de entendimento durante as consultas.

Formando médicos

Quando criado, o programa tinha como um dos eixos aumentar a formação de médicos no país. Por isso, o Mais Médicos previa a expansão do número de vagas nos cursos de Medicina e residência médica em várias regiões, com implantação de novo currículo, focado na qualificação da formação e valorização da Atenção Básica. Desta forma, a ideia era que o programa tivesse resultados não somente a curto prazo, mas que formasse médicos voltados para a Atenção Básica no futuro. A meta do Programa era sair dos quase 380.000 médicos em 2013 e chegar a 600.000 médicos em 2024, para atingir o nível recomendado pela OCDE, de 2,7 médicos por mil habitantes.

Porém, a morosidade das ações do Ministério da Educação e a intervenção do Tribunal de Contas da União dificultaram a construção de novas escolas de Medicina e o não-preenchimento de vagas em residências criadas pelo programa fez com que a ideia fosse deixada de lado. De acordo com o relatório, a taxa de ocupação das vagas dos programas de residência em Medicina de Família e Comunidade no Brasil, em 2015, foi de 26,3%. De um total de 1.520 vagas, apenas 400 foram ocupadas.

Mesmo com as falhas, o relatório recomenta a continuidade do programa de formação de médicos, e afirma que o Projeto de Lei Orçamentária de 2018 (PLOA 2018), que tramita no Congresso Nacional, prevê a criação de uma ação orçamentária específica para o programa no âmbito do Ministério da Educação. Trata-se da ação “Concessão de Bolsas do Programa Mais Médicos”, vinculada ao programa “2080 – Educação de qualidade para todos”.

A polêmica sobre os cubanos

No início do programa, a meta do governo federal era suprir a demanda com médicos brasileiros, de forma que fosse um sistema sustentável. Porém, os editais foram abertos e as vagas não foram completamente preenchidas. Em 2013, por exemplo, somente 22% das vagas foram ocupadas por médicos com registro no Brasil. Em uma parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Brasil abriu vagas para médicos intercambistas e realizou um acordo com o governo cubano para trazer médicos de lá.

Até o final do no passado, o Programa contava com 17.071 médicos, sendo 5.247 vagas ocupadas por brasileiros, que têm prioridade nas seleções; 3.271 intercambistas de outros países; e 8.553 médicos cubanos que participam por meio de cooperação com a OPAS. Ainda segundo o relatório, o Programa gastou 243 milhões de reais com a formação de médicos estrangeiros.

Um dos médicos cubanos que vieram para o Brasil foi Vitor Guevara Pérez, que atuava na Venezuela antes de receber a proposta do governo de Cuba para atuar no Mais Médicos. Como sempre quis conhecer o país, aceitou participar do Programa. Alocado em Guarapari, no Espírito Santo, o médico fez um curso de capacitação de 45 dias antes de ser transferido para o bairro Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Ele conta que não percebeu grandes diferenças na saúde entre seu país e o Brasil: “No meu país, por exemplo, temos mais contato com a população. Não temos consultas tão programadas, com um intervalo tão grande entre elas. Mas, fora isso, é muito semelhante, inclusive as doenças”, diz.

No geral, Pérez avalia sua experiência como positiva, mas lamenta o sistema de pagamento do programa. O acordo realizado com o governo cubano previa que o salário de 11.500 reais iria diretamente para Cuba, e depois seria repassado somente 30% para os médicos. Ou seja, o médico cubano recebia um salário de 2.936 reais. A baixa remuneração fez com que o médico desistisse do programa antes do tempo. “Do dinheiro que a gente ganhava, tinha que separar uma parte para comer, viver, vestir-se e outra parte para mandar para a família que ficou em Cuba.”

Vitor Guevara Pérez não pode voltar para Cuba nos próximos oito anos. Sua desistência foi considerada um tipo de traição, e a pena é ficar longe do país. Com a penalidade, ele foi tentar a vida nos Estados Unidos, mas afirma que gostaria de retornar ao Brasil. “Se me chamassem para participar do programa, voltaria de olhos fechados”.

Continuidade garantida?

Embora o relatório recomende a continuidade do Programa, o texto alerta para a necessidade de torná-lo mais “sustentável”. Isso porque, segundo análises, o Sistema Único de Saúde (SUS) vive em constante subfinanciamento. O relatório ainda salienta que a Emenda Constitucional 95 (que determina um teto de gastos públicos por 20 anos) vai limitar os investimentos e que, além disso, a falta de recursos pode se tornar realidade ainda este ano, uma vez que um decreto editado pelo governo determinou que os recursos do programa, que antes eram obrigatórios, agora passarão a ser discricionários.

O Ministério da Saúde, porém, alega que a Atenção Básica vai continuar sendo prioridade da gestão, e por isso os recursos não serão reduzidos. De acordo com a pasta, em janeiro deste ano, foram liberados 547 milhões de reais para a Atenção Básica no SUS. A pasta estava com investimentos congelados desde 2013 em 4,8 bilhões de reais por ano. Em 2018, com esse novo incremento, o recurso somará 5,1 bilhões de reais.

Embora a possibilidade de redução nos recursos seja uma ameaça para o futuro do programa, o lado político tem garantido sua permanência. Em setembro do ano passado, o presidente Michel Temer prorrogou o Mais Médicos por mais três anos. Porém, enquanto a aposta for em incentivo e não em formação de profissionais do Oiapoque ao Chuí, as 68 milhões de pessoas atendidas pelo programa vão continuar dependentes de Mais Médicos.

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