Combustíveis: preço médio da gasolina e do diesel está na casa dos R$ 7, mas principal desafio é a alta no mercado internacional (Buda Mendes/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 21 de maio de 2022 às 16h19.
Última atualização em 21 de maio de 2022 às 16h41.
A alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pode sofrer alterações em meio à pressão sobre o preço dos combustíveis. Com a inflação sem dar trégua, políticos em Brasília se debruçam sobre duas frentes: de avançar na implementação de um novo formato para o ICMS, já aprovado, a votar ainda um outro projeto, para diminuir totalmente o tributo.
A segunda ideia é defendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tenta pautar para a próxima semana a votação do projeto de lei complementar (PLP 18/22) para limitar a alíquota do ICMS a 17%. A redução valeria para insumos classificados como "essenciais", como os combustíveis e a conta de luz.
Atualmente, a alíquota da gasolina, por exemplo, pode chegar à casa dos 30% a depender do estado.
"Colocarei em votação na terça-feira a lei que classifica combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transportes como bens e serviços essenciais. Portanto, com alíquota MÁXIMA de ICMS de 17%", escreveu Lira em seu perfil no Twitter.
A perda de receita caso a proposta seja aprovada poderia chegar de R$ 60 bilhões a até R$ 100 bilhões, segundo o Comsefaz, que reúne secretários da Fazenda estaduais.
Os entes federativos apontam que já perderam recurso com a redução recente do IPI promovida pelo governo federal, e que redução no ICMS afetaria a saúde fiscal de estados e municípios, incluindo o oferecimento de serviços como educação e saúde.
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Já defensores da proposta afirmam que os entes federativos tiveram arrecadação recorde em 2021 e no primeiro trimestre deste ano devido exatamente à alta dos combustíveis, e teriam caixa para bancar a redução.
O ICMS vem sendo o centro do embate há meses, com o governo federal acusando estados de faturar com a alta do combustível, e estes acusando o governo de querer fazer "política macroeconômica" com o caixa de estados e municípios, ao tentar usar o ICMS para reduzir a inflação.
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O tema tem atenção especial no Planalto, onde o presidente Jair Bolsonaro (PL) disputará a reeleição em outubro. A inflação, que chegou a 12% em abril, puxada pelos preços dos combustíveis e alimentos, é apontada como o principal problema do Brasil por 19% da população, segundo a última pesquisa eleitoral EXAME/IDEIA.
As pautas econômicas (incluindo fome/miséria e desemprego) somam, juntos, mais de 50% dos eleitores afirmando que estes são os "principais problemas do Brasil", à frente de corrupção (12%) ou segurança pública (3%) (veja aqui os resultados).
Do outro lado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem rejeitado a proposta de Lira de reduzir o ICMS via PLP 18, e defende a implementação de medidas já aprovadas para o ICMS em março, no chamado "pacote dos combustíveis".
A principal mudança é a alíquota fixa do ICMS por litro (ad rem), e não mais por preço (ad valorem). O formato, defendido por especialistas na época da aprovação, reduziria a volatilidade. A atual alíquota por valor vendido implica em um imposto maior quanto mais o preço sobe, piorando ainda mais o custo final para o consumidor.
Outro ponto do projeto é que a alíquota seria unificada nacionalmente, e com imposto cobrado em uma única fase da cadeia (a chamada "monofasia"), simplificando a tributação.
Embora já aprovado, esse novo modelo sofre imbróglios na transição, que ainda engatinha. Estados são criticados por terem escolhido um patamar alto para a transição do diesel, além de incluírem o chamado "fator de equalização", que faz com que os entes possam compensar eventuais valores perdidos. Falta também decidir sobre a alíquota da gasolina e do etanol.
Assim, a negociação com estados para implementação do novo formato do ICMS vem sendo defendida por Pacheco como prioridade, no lugar da nova proposta encabeçada por Lira. O presidente do Senado esteve em reunião neste mês com secretários da Fazenda dos estados, e foi elogiado por sua busca pelo "diálogo".
Pacheco e os estados cobram ainda que a Câmara (de Lira) vote um outro projeto que hoje está parado na casa, a criação de uma conta de estabilização dos preços.
A ferramenta (por meio do PL 1.472, aprovado no Senado) ajudaria a reduzir o impacto dos preços internacionais no mercado interno, mas a fonte dos recursos seriam os dividendos da Petrobras, que registrou lucro de R$ 44,5 bilhões no primeiro trimestre.
A União, como acionista, receberá montante de mais de R$ 17 bilhões, diz o Comsefaz, e a ideia era que parte desse recurso fosse usado para atenuar as variações de preço dos combustíveis. O modelo de uma conta ou fundo de estabilização já é usado em outros países, como a EXAME mostrou.
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Após reunião com Lira, Pacheco disse que levará a proposta de reduzir o ICMS no PLP 18 a debate com líderes no Senado, mas voltou a pedir que a Câmara avance na conta de estabilização. "Comprometi-me a levar aos líderes o tema que pode contribuir para a redução do impacto dos tributos estaduais sobre o preço dos combustíveis. Ressaltei, também, a importância da conta de estabilização, aprovada no Senado, no PL 1472/21, como medida a ser considerada pela Câmara", disse em seu perfil no Twitter.
Eventuais mudanças, no caso de ambos os projetos para o ICMS, podem gerar algum ganho estrutural de longo prazo, como simplificação da carga tributária, dizem especialistas. Mas apesar das disputas em Brasília, é improvável que a gasolina, o diesel e outros combustíveis tenham significativa redução de preço no curto prazo somente com alterações no ICMS.
No caso da redução do ICMS proposta por Lira, casas de análise têm calculado queda na inflação de pouco mais de 1 ponto percentual no IPCA. Mas um desafio é o patamar já muito elevado da inflação, com IPCA em abril acima de 12%.
Também há o risco de que, caso haja movimentação no mercado internacional, todo o esforço possa ir por água abaixo - e a alto custo de caixa público. Os preços têm ficado voláteis com a guerra na Ucrânia e a retomada da economia global passado o auge da pandemia da covid-19.
O preço dos combustíveis é uma combinação entre a cotação no mercado internacional (replicada em alguma medida pela Petrobras e por importadores privados), tributos e os custos de distribuição, revenda e margem de lucro dos envolvidos na cadeia.
Assim, o principal fator que impacta o preço do combustível é a cotação do barril de petróleo. O insumo é usado em derivados como gasolina, diesel e GLP, do gás de botijão.
O Brasil adota desde 2016 a política de preços com paridade de importação (PPI), que faz com que os combustíveis vendidos pela Petrobras nacionalmente sigam os preços internacionais.
O barril do tipo Brent, usado como referência pela Petrobras, superou US$ 100 no início da guerra na Ucrânia e segue acima deste patamar. Nesta sexta-feira, 20, a cotação estava acima de US$ 110 no fim do dia.
O valor do dólar também faz com que o consumidor sinta aumentos na bomba. Após queda de mais de 10% entre meados de março e abril, o dólar voltou a subir e hoje está perto de R$ 4,90 (embora o patamar siga menor do que era em março, quando passava de R$ 5).
Com as movimentações externas, a Petrobras anunciou em 9 de maio aumento de 9% no diesel em suas refinarias (que, no caso do diesel, respondem por quase 70% do que é vendido no Brasil, sendo o restante importadores e refinarias privadas).
Já a gasolina estava defasada em 8% nesta sexta-feira, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom). Os preços da gasolina estão congelados há dois meses nas refinarias da Petrobras. Novos aumentos são aguardados para as próximas semanas caso a Petrobras e o governo do presidente Jair Bolsonaro desejem manter a PPI.
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De crise em crise, o cabo de guerra entre as partes deve continuar em Brasília com o ICMS. Estados tentarão enquadrar como afronta à Constituição o projeto de Lira, segundo tem afirmado o Comsefaz.
Secretários estaduais afirmam também que a alíquota do ICMS para os combustíveis está congelada desde o ano passado e que os preços vêm subindo mesmo assim, mostrando que o imposto não é o principal vilão da inflação.
O congelamento foi estendido até o fim de junho. Em nota, o Comsefaz afirma que estados renunciaram a quase R$ 16 bilhões entre novembro e abril com a medida. O valor chegará a R$ 37 bilhões se o congelamento seguir até dezembro.
Os combustíveis na bomba apresentam preços recorde. Na semana até 21 de maio, o preço médio registrado da gasolina comum foi de R$ 7,27/litro, segundo a ANP. No monitoramento, a agência chegou a encontrar preço máximo de R$ 8,59 em um posto. O diesel fechou a semana em R$ 6,94/litro, com preço máximo encontrado de R$ 8,30.
O cenário não deve mudar tão cedo — com ou sem alterações no ICMS.