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Água em SP: como regular o papel da Sabesp?

Proposta de revisão que aumentaria a conta mesmo em caso de economia de água joga luz sobre papel de agência reguladora no estado

Sabesp: o futuro pós-privatização (Sabesp/Divulgação)

Sabesp: o futuro pós-privatização (Sabesp/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 10 de março de 2018 às 11h06.

Última atualização em 10 de março de 2018 às 11h06.

A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) decidiu, na última quinta-feira, suspender uma proposta polêmica: aumentar a tarifa de água caso ocorresse um consumo atípico de água no estado de São Paulo. A ideia inicial era que quando o volume variasse 10% ou mais, tanto para cima quanto para baixo, a tarifa seria aumentada. No limite, a alteração abriria margem para que o aumento do preço da água ocorresse mesmo quando as pessoas economizassem água.

Embora afastada momentaneamente, a proposta acendeu um alerta sobre o papel da agência reguladora no estado e sobre como ela pode, ao mesmo tempo, garantir a saúde financeira da Sabesp e um nível de serviço adequado à população.

Em nota, a Arsesp afirmou que a decisão de adiar a revisão da tarifa  visa “permitir o aprofundamento do estudo sobre o tema e maior debate com a sociedade”.  Embora na mesma declaração a agência tenha reafirmado sua independência em relação à Sabesp, a impressão pública que ficou foi outra. Na proposta inicial, entre os argumentos usados pela Arsesp estavam as “consequências sobre o equilíbrio econômico-financeiro”. As preocupações com o bolso do consumidor ficaram de lado.

Para o professor da USP Pedro Luiz Cortês, especialista em recursos hídricos, o argumento da agência deve ser olhado com muita cautela, uma vez que a água se trata de um recuso insubstituível e essencial. “Na prática estão procurando uma performance financeira, mas não de uma forma convencional, como a redução de despesas, melhorando o desempenho, buscando uma gestão mais eficiente”, afirma.

Em mais de 200 páginas de todos os relatórios de consulta pública, a agência rebate ou aceita as sugestões da sociedade civil, de instituições públicas e de Ongs a respeito da necessidade de alterar a tarifa. Sávio Mourão Henrique, mestre em Planejamento e Gestão Territorial, representou a sociedade civil em uma dessas audiências públicas da Arsesp. Pesquisador sobre o modelo de precificação de serviços de saneamento da Sabesp ressalta que o maior problema da proposta de revisão era que a mudança de preços esconde a falta de medidas alternativas para reduzir custos e aumentar a eficiência do serviço. “Existem mecanismos de incentivo econômico e de qualidade dos serviços que podem estar embutidos no sistema de regulação, que induziriam a empresa a ganhar mais dinheiro fazendo um serviço mais próximo daquilo é um serviço social esperado”. Um exemplo nessa direção vem de Minas Gerais. No estado vizinho, a agência reguladora estabeleceu uma meta de tratamento e de qualidade do tratamento de esgoto para Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Toda vez que essa meta é atingida, a empresa é bonificada. “Com a falta de busca por alternativas, a empresa acaba incorporando pouco para a eficácia dos serviços prestados, sob a ótica da expectativa social”, afirma Henrique.

Henrique ainda ressalta que um problema persistente no serviço da Sabesp é a perda da água durante sua distribuição.“A perda de água contabilizada pela empresa é de 30%, sendo que a média mundial é de 15%. Uma meta foi estabelecida no ano passado para reduzir esta perda para 27%, mas foi completamente ignorada”, afirma.

A Sabesp é uma empresa mista que tem como principal acionista o governo de São Paulo. Portanto, a lógica de mercado pode ser influenciada pelo próprio Estado. A Arsesp nega esta relação entre agência, empresa e mercado, mas afirma que a agência considera que a Sabesp leve em conta o lucro. “O lucro é uma parte do pensamento de uma empresa, e é usado para pagar os investidores e acionistas que se interessem por ela”, afirma Helio Luiz Castro, Diretor Presidente e Diretor de Regulação Técnica e Fiscalização dos Serviços de Saneamento Básico da Arsesp. Segundo ele, a revisão é atual e está prevista na legislação. “A lei prevê que seja realizada uma revisão ordinária a cada quatro anos. E estamos realizando neste ano. Mas aproveitamos para reavaliar os parâmetros para realizar uma revisão tarifária extraordinária”, acrescenta.

A Secretaria de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo não quis se manifestar sobre o assunto, mas afirmou que a Agência possui total independência para tomar decisões quanto ao preço do serviço, sem levar em conta os interesses do Estado como acionista.

Para o professor especialista em Estratégia e organização no setor público do Insper, Sérgio Lazzarini, as agências devem ser compostas de uma equipe para criar parâmetros técnicos e fixos — e não medidas que são revistas periodicamente. “Além disso, uma agência que lida com uma única empresa pode ter dificuldade em ter uma base de comparação. Mas o princípio é ter uma independência e tratar os provedores do serviço de forma equânime”, afirma.

Todos os especialistas consultados por EXAME concordaram que os interesses da população paulista, principal consumidora e interessada sobre o assunto, foram deixados de lado nessa discussão. “A proposta violaria o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor e também a política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, uma vez que poderia incentivar o desperdício”, afirma Frederico da Costa Carvalho Neto, professor de direito ao consumidor e de direito ambiental da PUC.

Por enquanto, a pressão pública fez com que a proposta fosse deixada de lado. Mas sem uma melhor definição dos papeis da agência e da Sabesp,  a população pode voltar a se deparar com medidas onerosas — mesmo que siga economizando água.

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